14 de fev. de 2014

Bitcoin: oscilações da cotação

Quem vem acompanhando esta série de colunas sobre o Bitcoin já dispõe de informações suficientes para entender o mecanismo de emissão das moedas, a forma pela qual as transações são feitas e controladas, os meios de garantir a segurança destas transações e toda a teoria que cerca o sistema e o mantém em funcionamento. O que falta são algumas informações práticas sobre o próprio mercado. Sobretudo aquelas relativas à forma pela qual a cotação da moeda vem evoluindo desde seu lançamento em 2009 e as ameaças que o sistema vem sofrendo ao longo do tempo.
Estas ameaças provêm de fontes diversas. A começar pelos governos estabelecidos, que definitivamente não veem com bons olhos o lançamento e crescimento de um sistema monetário sobre o qual não podem exercer controle ou sequer negociar (não no sentido de efetuar transações, mas no de travar negociações para controlar o comércio internacional, por exemplo). Depois, pelas autoridades policiais internacionais já que, mesmo não sendo esta a intenção dos que criaram o sistema (embora tenham sido injustamente acusados disto quando o Bitcoin começou a se firmar e popularizar), por permitir a chamada “lavagem” de dinheiro, já que podem ser feitas transações vultosas sem identificar o responsável. E, por último mas não menos importante, os hackers, como sempre atraídos pelo cheiro do dinheiro como urubus pelo da carniça.
Estes ataques, quando ocorrem, põem o mercado em sobressalto e causam fortes oscilações na cotação do bitcoin. E, por acaso, poucas ocasiões foram tão apropriadas para discutir estes temas do que esta semana. Pois, a partir do último dia 5, quarta-feira passada, o mercado entrou em ebulição e a cotação do bitcoin iniciou uma queda brusca que provocou uma baixa de 33% em cinco dias. Para ser exato, uma queda de US$ 842,14 para US$ 567,63, a cotação mais baixa, em 10/02. Desde então a moeda vem se recuperando lentamente, sendo negociada hoje, 13/02, na faixa de US$ 599,65 e US$ 653,53 (no final da tarde a cotação era de US$ 604.68; clique aqui para verificar se ela subiu ou desceu desde então até o momento em que você está lendo estas mal traçadas).
O que a teria provocado tamanha turbulência?
Basicamente dois fatos que, por infeliz coincidência, ocorreram quase simultaneamente.
O primeiro, no início do mês, foi a declaração do governo da Rússia considerando “potencialmente suspeita” qualquer transação efetuada com bitcoins. Mas especificamente, conforme declaração do Escritório da Promotoria Geral do Governo Russo: “Sistemas para pagamentos anônimos e moedas virtuais [“cyber currencies”, no original] que passaram a movimentar quantias consideráveis – incluindo o mais conhecido, Bitcoin – são substitutos da moeda corrente e não podem ser usadas por pessoas ou instituições legais”. O que, na prática, corresponde a proibir empresas e cidadãos russos de efetuar transações com bitcoins. E enfatiza: “A moeda oficial da Federação Russa é o rublo. A introdução de outras unidades monetárias e moedas substitutas é proibida”.
A Rússia não foi o primeiro governo a fazer isso. Há pouco menos de um mês, em 19/01, o Governo Canadense, embora não tendo proibido transações em bitcoins nem considerado taxativamente o sistema Bitcoin ilegal, declarou através de um porta-voz que “Apenas notas e moedas canadenses são considerados meios de pagamento legais no Canadá. A ‘moeda’ digital Bitcoin não é um meio de pagamento legal no Canadá”. A declaração foi demasiadamente tíbia para provocar algum efeito na cotação e o mercado não foi afetado por ela.
Porém o mesmo não ocorreu em dezembro passado, justamente quando a cotação do bitcoin estava em alta e atingiu o pico (em 04/12/2013 com o valor de US$ 1.147,25). Logo no início do mês o governo da China tomou uma atitude bem mais drástica que o do Canadá e proibiu suas instituições financeiras oficiais de usarem o sistema Bitcoin, embora não impedisse seus cidadãos de efetuar transações com a moeda. Este anúncio, sim, provocou uma queda brusca na cotação do bitcoin, que levou à uma desvalorização de 54.4% em apenas duas semanas, a maior sofrida pela moeda desde sua entrada em circulação. A cotação desabou dos US$ 1.147,25 de 04/12 até o valor de US$ 522,23 em 18/12. A partir de então passou a se recuperar paulatinamente, atingindo em meados de janeiro passado o patamar dos US$ 800,00, acima do qual se manteve até o anúncio das medidas russas.
Convém notar, entretanto, que quem adquiriu bitcoins entre janeiro e outubro do ano passado se beneficiou de uma considerável valorização, já que as cotações neste período variaram de US$ 13,13 até US$ 125,49; e quem comparar os valores registrados em 04/12/2012 e 04/12/2013 verá que a moeda sofreu uma valorização de quase cem vezes no período de um ano.
Um fenômeno parecido com a queda devido ao anúncio das medidas chinesas aconteceu em março do ano passado com a crise financeira de Chipre, quando o Governo daquele país declarou que efetuaria um confisco compulsório de 6,7% a 10% nos depósitos bancários. Este anúncio fez o público em geral se dar conta que seu dinheiro não estava tão seguro nos bancos quanto ele imaginava (alguém aí ainda lembra do malfadado Plano Collor?). O resultado foi uma imensa corrida para comprar bitcoins, imunes ao controle de qualquer governo, que elevou em pouco mais de um mês sua cotação da faixa dos US$ 40 no início de março de 2013 até um pico de US$ 230 em 9 de abril (e agora você entende melhor a razão pela qual os governos não são muito favoráveis à livre circulação de moedas virtuais).
Esta alta foi tão súbita que deixou o mercado assustado. E, quando o mercado se assusta, vende. O resultado foi uma venda em massa que derrubou a cotação dos US$ 230 para US$ 82,39. Isto obrigou o MtGox, a maior plataforma de negócios com bitcoins e cujos servidores estavam sobrecarregados com o súbito e brutal aumento da procura, a suspender os negócios, alegadamente para aumentar a capacidade dos servidores, mas na verdade para acalmar o mercado. E, de fato, quando as transações foram reiniciadas, a cotação passou a subir, oscilou por um período curto e se estabilizou na faixa próxima aos US$ 125 onde permaneceu de maio ao final de outubro de 2013, quando começou a subir vertiginosamente até bater no teto histórico próximo aos US$ 1.150 em dezembro. Ocasião em que, como acima comentado, a China anunciou as medidas que fizeram a cotação cair até próximo de US$ 500 para posteriormente se recuperar e estabilizar na faixa dos US$ 800.
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Resumindo: cada vez que uma perturbação causada pela ação de algum governo contra o sistema Bitcoin, voluntária ou involuntária (esta última, no caso de Chipre), provoca uma turbulência no mercado, a cotação sofre uma queda brusca e depois se recupera em um patamar estável situado acima do patamar anterior.
O que fez, afinal, o sistema Bitcoin perceber que depois de uma grande alta seguida por um baque provocado pela atitude de um governo, a cotação da moeda acaba se estabilizando em um valor menor que o último pico registrado, porém mais alto que o patamar anterior. Veja, na Figura 1, as oscilações provocadas pela crise de Chipre (1), pela declaração chinesa (2) e a queda da última semana (3).
Portanto, não seria o anúncio da Rússia, sozinho, que iria provocar a ebulição em que o mercado se encontra neste momento.
O que mais seria, então?
Pois foi justamente aquilo que o sistema Bitcoin mais temia: a ação de “hackers” que, desta vez, conseguiram quebrar a segurança e desviar uma quantia para seus bolsos.
Não foi uma grande quantia. Apenas alguns milhares de dólares americanos, ou seja, algumas dezenas de bitcoins. Mas foi o suficiente para disparar o alarme, provocar um início de pânico e obrigar o MtGox a paralisar novamente suas operações.

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