A compra do WhatsApp pelo Facebook é o grande assunto da mídia de tecnologia e economia desde a noite de ontem. O valor investido por Mark Zuckerberg – 12 bilhões de dólares em ações do Facebook, 4 bilhões em dinheiro e outros 3 bilhões em ações fechadas, a serem oferecidas aos funcionários do WhatsApp – saltou aos olhos.
Mas será que o WhatsApp vale mesmo 19 bilhões de dólares?
Apesar da quantia soar vultuosa, ainda mais se compararmos com o um bilhão de dólares gasto na compra do Instagram em 2012, é preciso lembrar que o valor investido no WhatsApp é, de certa forma, um “troco do bar” para o Facebook, já que corresponde a apenas parte da valorização que a rede social conquistou na bolsa de valores nos últimos 30 dias. Além disso, trata-se de uma aquisição estratégica, que auxilia na expansão do mercado do Facebook como uma corporação, neutraliza o principal concorrente da rede social e, ainda por cima, impede que outro titã digital se apodere do WhatsApp.
Expandindo para outros países e públicos
Os números do app não deixam mentir: segundo dados do BuzzFeed, em países como o Brasil, México e Espanha, 25% do tempo gasto em smartphones é utilizado no WhatsApp.
Não é uma coincidência que esses sejam exatamente mercados onde a rede social ainda quer realizar uma expansão. O serviço de troca de mensagens também é líder em diversas outras partes do globo, como a Europa, América do Norte e Índia. Perde apenas em determinadas regiões da Ásia, como o Japão (onde o líder é o Line) e a China (dominada pelo WeChat).
Outro público que o Facebook abocanha com a incorporação do WhatsApp é o de adolescentes, que estavam se afastando da rede social em busca de formatos de comunicação mais privados. Ao invés dos complicados controles de privacidade do site, o serviço de troca de mensagens permite o fácil e total controle de onde a mensagem vai, e para quem vai, seja criando grupos de mensagens privadas ou mensagens em massa (broadcast messages).
Contando com 450 milhões de usuários ativos, mais de um milhão de novos usuários por dia e 72% de usuários ativos diariamente, o WhatsApp também estava no mercado como um dos únicos reais concorrentes do Facebook. Com uma enxuta equipe de apenas 32 engenheiros, e totalizando não mais do que 50 funcionários, o app fazia sombra no sucesso que o Facebook teve ao longo dos anos. Esse gráfico explica melhor o quão mais veloz foi o crescimento do serviço de mensagens, saca só:
O inegável sucesso não é difícil de entender. O WhatsApp surgiu como uma alternativa viável de mensagens de texto instantâneas e multimídia, sem a complicação e o alto custo de serviços como o SMS e o MMS. Enviar um vídeo, foto ou mensagem de voz é tão simples quanto digitar um texto, e como ele se utiliza da rede de dados, não há custo extra agregado. Como se não bastasse, o aplicativo é oferecido de graça pelo primeiro ano de uso, custando 99 centavos de dólar ao ano depois desse período.
Neutralizando a concorrência (e chegando antes do Google)
Se 19 bilhões de dólares de investimento é um valor exagerado ou não, parece não ser o mérito da questão para o Facebook. Mark Zuckerberg mantém seu senso prático nesse ponto – afinal de contas, é um dinheiro que a empresa tem para gastar, que funciona como um reinvestimento na companhia e resolve duas questões de uma vez só: neutraliza o único serviço que poderia efetivamente ameaçar o monopólio do Facebook e também evita que outro grande titã internético (Google, por exemplo) fizesse a compra antes.
Na semana passada mesmo o Viber, concorrente do WhatsApp, foi arrematado pela japonesa Rakuten por USD 900 milhões. O Facebook já havia perdido para o Google no ”leilão” do Wazee provavelmente não deixaria que alguns bilhões o impedissem de levar o WhatsApp pra casa (figurativamente, já que a sede do WhatsApp continua em Mountain View ).
Corporação Facebook
Deixando de lado a ânsia de incorporar serviços à rede social, o Facebook vai pouco a pouco ganhando mais contornos de corporação. O pontapé inicial foi a compra do Instagram, quando mantiveram o serviço de forma independente, apenas inserindo-o debaixo do guarda-chuva de serviços e produtos de Zuckerberg.
Com mais serviços disponíveis para os usuários, a chance de sobrevida do Facebook como empresa aumenta. Ainda que a rede social venha a perder força, uma série de outros produtos ao redor da marca são capazes de mantê-la viva e em alta. Um exemplo de como isso já tinha sido feito anteriormente é o Google, que passou de um simples buscador para uma empresa que engloba serviços de busca, email, rede social, documentos na nuvem, entre outros.
O WhatsApp entra para o Facebook como um novo produto do seu portfólio, alinhado ao objetivo da empresa de “conectar pessoas”, seja através da rede social, de mensagens de texto (via Facebook Messenger), fotos (via Instagram) e, agora, mensagens instantâneas (WhatsApp).
Completando a sua primeira década, o Facebook parece ter amadurecido – ao invés de tentar desenvolver um concorrente a partir do zero, ou promover o seu Facebook Messenger como uma alternativa ao WhatsApp, decidiu incorporar a iniciativa à sua empresa, sem que seja preciso, contudo, incomodar a comunidade de usuários que já existe ao redor da marca. Tem funcionado assim com o Instagram, e parece ser o plano com o WhatsApp.
Interesses ocultos: data mining
Serviços como o WhatsApp, Snapchat, Viber e similares trabalham lidando com algo preciosíssimo: a privacidade do usuário. Ainda que haja interações sociais no Twitter e no Facebook, a maioria das trocas de mensagens acontece de forma privada, de um usuário para o outro, ou de um usuário para um grupo selecionado, e não de um para muitos, como sugerem plataformas sociais.
Manejar as opções de privacidade das redes sociais também pode ser complicado e até cansativo, enquanto enviar uma mensagem via WhatsApp é simples e passa a segurança de que esta irá chegar aos destinatários certos, sem desvios. E é exatamente esse tipo de informação que faz falta para o Facebook refinar ainda mais os seus algoritmos de exibição de publicidade.
O Data Mining feito nos conteúdos postados em redes sociais já permite que empresas como o Google e Facebook entendam melhor que tipo de publicidade mostrar para cada um dos seus usuários – se vai viajar para tal lugar, que tal mostrar promoções para aquele destino?; se acabou de alterar seu status de relacionamento, que tal mostrar algo que seja interessante para essa nova fase da vida? Imagine então se essas empresas tivessem acesso às suas mensagens instantâneas. A assertividade seria, sem dúvidas, ainda maior.
Desafios do WhatsApp: manter seus princípios
Desde o início, os fundadores do WhatsApp se posicionaram contra a inserção de anúncios no serviço. Destacando uma fala de Tyler Durden em Clube da Luta - “a propaganda nos deixou correndo atrás de carros e roupas, trabalhando em cargos que detestamos, para que possamos comprar coisas que não precisamos” – , eles explicam que a intenção era criar algo bom, e não algo que pudesse ser uma grande máquina de anúncios personalizados. Ao invés disso, apostaram na cobrança de valores módicos e com periodicidade anual.
Será interessante ver como o Facebook irá lidar com o propósito de No Ads, No Games, No Gimmicks (“sem anúncios, sem jogos, sem truques”, em tradução livre) dos fundadores. O bilhete acima, escrito por Brian e que Jan Koum mantém ao lado da sua mesa de trabalho, resume o propósito da empresa criada pela dupla. Mas será que só os 99 centavos de dólar anuais são capazes de sustentar o WhatsApp?
Em entrevista à Bloomberg, Om Malik, fundador do GigaOm, acredita que poderá ser criado um modelo de propaganda para o WhatsApp que seja integrado com o serviço, em um formato similar aos promoted posts no Instagram. “Kevin Systrom também era muito avesso à propaganda, mas eles criaram um formato de anúncio bastante nativo para o Instagram”, argumenta ele. A diferença é que o Instagram não tinha um “manifesto” contra o uso de publicidade como o WhatsApp tem. Se isso realmente acontecer, seria dar o braço a torcer, abrindo mão de uma das suas ideologias.
Em todo caso, Mark Zuckerberg se comprometeu em comunicado oficial a não interferir nas operações do WhatsApp, que continuarão acontecendo de forma independente às do Facebook, funcionando mais como um complemento às ferramentas já oferecidas pela empresa. O quanto desse discurso será a realidade, só o tempo vai dizer. Fica a nossa torcida para que, assim como aconteceu com o Instagram, a aquisição pelo Facebook apenas dê mais fôlego ao serviço.
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